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“Nós”


Um quebra-cabeça que interroga a realidade americana!

O diferencial de filmes de gênero, para mim, é que eles são capazes de lidar com verdades amplas sobre a humanidade de forma reflexiva ao mesmo tempo em que nos deixam submersos em uma experiência surreal. Quando penso em doppelganger - um elemento tradicional de horror / ficção científica, o ser que se parece exatamente conosco invadindo nossas próprias realidades - penso nas histórias que muitas vezes procuram esclarecer nossas próprias inseguranças. “Os Invasores de Corpos” (1978), “Possessão” (1981), “O Homem Duplicado” (2013) e “Aniquilação” (2018), todos filmes que usam esse elemento, são baseados em um sentimento humano destrutivo; uma coceira que você não pode coçar, o demônio no seu ouvido dizendo que você não é exatamente a pessoa que você pensa ser.


“Nós” é sucessor de “Corra!”, vencedor do Oscar de melhor roteiro original em 2018, do diretor Jordan Peele. Fazer outro filme depois de um grande sucesso é sempre uma pressão e Peele parece lidar tranquilamente com isso.


Aqui ele entrega algo inteiramente novo com a mesma energia de seu trabalho de estreia. A diferença é que agora Peele tem um Oscar de roteiro, sua própria produtora e uma ambição ainda maior de criar filmes de “horror social” para instigar nossos piores pesadelos e como eles se misturam com a nossa realidade.


Marcada por um incidente traumático que enfrentou quando criança, Adelaide (Lupita Nyong’o) finalmente retorna a Santa Cruz com seu marido, filho e filha, e algumas coisas estranhas começam a acontecer.

Uma série de coincidências estranhas começa a seguir sua família durante as férias, resultando em uma visita de estranhos no meio da noite. Esses visitantes não são assaltantes ou psicopatas; são imagens espelhadas da família de Adelaide e querem os provar algo. Entrar em mais detalhes seria um desserviço à sua experiência com o filme, mas é importante que você fique avisado o que está prestes a assistir.


Ao contrário de “Corra!”, que é um filme com várias camadas e extremamente criativo apesar de ter uma ideia simples e direta, em “Nós” Peele entra em um modo diferente de contar histórias do que a maioria do público está acostumada.


É um filme de horror que prioriza temas, códigos e conceitos, o enredo se torna secundário. Alguns simbolismos e metáforas são tão satisfatoriamente inteligentes que em certos momentos podem parecer exagerados ​​e piegas, mas a escolha do diretor em seguir esse caminho é espetacularmente corajosa. Isso talvez frustre muitos espectadores, mas também desafia todos aqueles dispostos a mergulhar na caixa de um quebra-cabeça enganosamente simples.

Peele é aberto e honesto sobre suas inspirações para o filme, começando pela cena de abertura com uma TV e algumas fitas VHS. Há também muitas referências a outros filmes clássicos e a campanha “de mãos dadas pela América” (Hands across America) que aparece várias vezes no filme realmente existiu em 1986 e foi apoiada por várias personalidades famosas.

Ronald Reagan, o presidente da época, participou da campanha ao mesmo tempo em que ele abertamente culpava a população pobre por sua pobreza. Essa crítica é algo bastante atual no país e no mundo todo; famosos se portando como vozes de movimentos realmente importantes, mas será que essas pessoas fazem isso pelo bem comum ou apenas pelo seu próprio ego?


Não é necessário dizer que Nyong’o está excelente e se entrega de corpo e alma aqui, porque ela sempre foi excelente. Se a atriz não receber reconhecimento por essa dupla performance, eu não sei o que esperar das premiações... No entanto, todo o elenco apresenta um ótimo desempenho. Winston Duke faz um pai piadista e nos entrega vários momentos cômicos enquanto todo o caos se desdobra diante de nossos olhos. As crianças? Elas só melhoram o filme e o elevam a outro nível! Shahadi Wright Joesph e Evan Alex alternam entre a inocência brincalhona e o mal animalesco num estalar de dedos. Há uma cena com Lupita no último ato do filme que provavelmente lembrarei pelo resto do ano, pois equilibra o medo e a sensação de agonia com um trabalho cinematográfico incrível. Uma batalha entre violência e beleza, uma batalha entre realidade e fantasia, uma demonstração de verdade versus ilusão.

O “American dream” - ideia de que neste lugar mágico as pessoas podem facilmente “se tornar mais do que realmente são” – é destruído.

Enquanto “Nós” pode ser uma mediação pessoal do trauma como um reflexo de nossos próprios prazeres invocados na dor de outra pessoa, o que há de tão especial no novo filme de Peele é como ele pode pegar essa consagrada representação de horror / ficção científica e recontextualizá-la ao fazer uma declaração mais ampla sobre a sociedade norte americana.

O filme questiona os valores americanos e procura explorar como tudo vai acabar desmoronando. Enquanto o modo artístico político e social normalmente aponta o dedo para os outros, “Nós” nos faz examinarmos a nós mesmos e à maneira como vivemos nossas vidas. Você tem certeza de que é realmente o herói de sua própria história? Isso realmente importa? Quem ignora a dor dos outros e escolhe viver em ilusões é um verdadeiro americano.


Nota: ★★★★½

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