‘Killing Eve’
Obsessão mútua, química absurda e o poder das mulheres na espionagem.
Frequentemente o papel de um vilão no gênero de espionagem, que é tão inteligente quanto aterrorizante, tem sido reservado para os homens. Encontrar um thriller de espionagem que inclua não apenas um herói feminino, mas também um vilão feminino é incrivelmente raro. É típico que tais características se concentrem em torno de um homem caçando outro - um jogo de gato e rato até que um finalmente se entregue ao outro. Isso acontece em “007 – Operação Skyfall” - no qual o enredo gira em torno de James Bond perseguindo o fascinante Raoul Silva - e está presente em quase todas as grandes franquias como “Missão Impossível” e “Bourne”. Aparentemente, não é difícil colocar dois homens trabalhando incansavelmente para rastrear um ao outro nos filmes, mas parece ser difícil lançar personagens femininas com características semelhantes a esses homens.
‘Killing Eve’ (BBC America) estreou em abril de 2018 e desde então tem sido aclamada internacionalmente - garantindo uma segunda temporada que estreia no começo do mês que vem. A razão de a série ser imensamente popular é, sem dúvidas, devido às características fascinantes e à química entre as duas protagonistas: Eve Polastri (Sandra Oh), uma funcionária do MI5 cujas atribuições frequentemente a deixam presa a burocracias nada excitantes; e Villanelle (Jodie Comer), uma inteligente e obscura assassina que tem grande prazer e orgulho em seu trabalho pouco convencional.
A relação sempre em mudança entre Eve e Villanelle é diferente de qualquer outra coisa que tenhamos visto entre duas mulheres em uma série ou filme antes. As duas estão envolvidas em uma obsessão mútua, que oscila entre o desejo sexual e a intriga intelectual.
É simplesmente fascinante observar a maneira como a obsessão de Eve pelas motivações das ações de Villanelle gradualmente se transforma em uma obsessão pela própria Villanelle e por tudo o que é relacionado a ela, desde as roupas que ela usa até os alimentos que ela come. É impossível não ser completamente atraído por isso. O que poderia ter sido apenas uma trama divertida e espontânea sobre espiões é transformado em algo que nunca vimos antes. Cada vez que pensamos saber onde a série está nos levando, Villanelle nos choca mais uma vez com sua imprevisibilidade ou Eve toma uma decisão que sugere que ela está se tornando cada vez mais parecida com a sua caça.
Muito do que torna ‘Killing Eve’ tão excitante é resultado das performances dadas por Oh e Comer, em dois papéis aparentemente opostos mas que acabam se encontrando um no outro. Com Villanelle, Comer criou um dos mais memoráveis e mais surpreendentemente simpáticos antagonistas da televisão moderna; uma personagem espirituosa e enigmática que pode nos fazer rir de seu entusiasmo infantil e nos deixar chocados com sua crueldade na mesma medida. Mesmo quando ela comete mais um ato calculado, ela consegue nos encantar com sua propensão por fantasias e trajes ridículos. Nenhuma pessoa com quem conversei terminou a série sem criar uma simpatia por Villanelle e isso é um crédito para o desempenho de Comer. Não é sempre que o público se apaixona por um vilão tão destrutivo.
Sandra Oh pode não ter recebido o mesmo tipo de caracterização que a Villanelle de Comer, mas ela não é menos fantástica em seu papel. Ao longo dos oito episódios, as emoções de Eve passam de uma fascinação impessoal por mulheres que matam, para uma obsessão que tudo consome; obsessão essa que ameaça destruir não só ela mesma, mas tudo ao seu redor. No final, Eve é quase tão maníaca e imprevisível quanto Villanelle e seu comportamento está muito longe da agente entediada a qual fomos apresentados nos primeiros episódios.
Oh é simplesmente excelente em captar todo pensamento e sentimento de uma mulher consumida por uma obsessão que se disfarça de busca por justiça. A atriz brilha enquanto a personagem avança em uma tentativa de impedir que um assassino deixe mais sangue em seu caminho, o que realmente serve apenas como um meio para ela explorar seu crescente desejo pelo caos. Juntas, Comer e Oh compartilham parte da química mais eletrizante da história recente da televisão e as duas merecem toda a aclamação que lhes foi dada por suas performances profundamente diferentes, mas às vezes estranhamente similares.
‘Killing Eve’ é uma das séries mais imprevisíveis e inovadoras do momento, pois se trata de um mergulho muito necessário nos novos modos de abordagem de personagens femininas dentro de temáticas ditas masculinas. É uma subversão sombria, cômica e viciante de uma nova forma de espionagem nada tradicional, que elimina os estereótipos à la Bond e nos deixa maravilhados com duas mulheres com características peculiares e personalidades fascinantes. Ousada e de um entretenimento interminável, ‘Killing Eve’ é o revigoramento de um gênero passado.
Nota: ★★★★½